domingo, 27 de junho de 2010

Na Record, novela tem que matar leão, diz Marcílio Moraes

Flores, personagem de Antonio Grassi, lubrifica uma pistola (Foto: Munir Chatak)
Autor de Ribeirão do Tempo, Marcílio Moraes, 65 anos, está tentando escrever uma novela diferente. Reconhece ser impossível fugir do maniqueísmo, mas já conseguiu alguma inovação ao colocar no ar um vilão que se apresentou na pele de um personagem que, inicialmente, parecia ser vítima.
Idealista (foi um "ícone de 1968"), perseguido pela ditadura militar, o professor Flores, interpretado por Antônio Grassi, teve a mulher, Dirce (Françoise Forton), brutalmente assassinada nos primeiros capítulos. Quando a trama parecia lhe mostrar o destino do típico perdedor, Flores revolou-se do mal. Utópico alucinado, como define Moraes, é o arquiteto de uma grande conspiração que pode levá-lo à Presidência da República.
Nesta entrevista exclusiva ao R7, Marcílio Moraes, fala da trama e da narrativa de Ribeirão do Tempo e da dificuldade de conquistar o público às 22h e na Record.
O autor Marcílio Moraes (Foto: Michel Ângelo)
O autor Marcílio Moraes (Foto: Michel Ângelo)
R7 - A  audiência (dez pontos de média na Grande São Paulo) até agora decepcionou ou era esperada?
Marcilio Moraes - Minha expectativa não era alta no começo, não. Sinceramente, eu achava que não era uma novela para estourar logo nos primeiros capítulos. Eu conduzi a história de uma maneira suave, leve. Foi uma estratégia minha. Claro que eu contava que [a audiência] fosse um pouco mais alta. Foi um pouco mais baixo do que supunha, mas não muito.
R7 - Por que essa estratégia?
Moraes - Porque é uma história complicada. Eu achei que tinha de começar devagar. Mesmo porque não estava achando outro jeito de ir colocando a vida da cidade, construindo os pressupostos daquilo que vem adiante, apresentar os personagens, sem grandes conflitos, sem conflitos acirrados de início. Então eu tinha uma ideia de que [a audiência ia evoluir] lentamente, que o telespectador iria aderir lentamente, ou mais lentamente. É difícil prever.
Na Record é muito mais difícil. Cada novela tem que batalhar o seu espaço, entendeu? Não tem jogo.
R7 - Não tem tanta audiência estática...
Moraes - Não tem aquela fidelização que a Globo conseguiu ao longo de 40 anos. Na Record, cada nova novela tem que matar o leão.
É um horário difícil o das 22h. O público é muito errático. Até você conquistar, segurar o público, leva algum tempo. Errático no sentido de que ele não está fidelizado com muita coisa. A Grande Família tem um público fiel, mas o resto [dos programas] não tem, não. O futebol, se o jogo é bom, tem jeito, se não, é fraco. Casseta & Planeta é uma coisa específica, tem um pessoal que gosta, outro que não gosta. O filme [daTela Quente] que agrada muito é bom. Isso na Globo. Na Record também, para colocar uma novela ali você tem que conquistar o seu espaço.
Então me preocupei em contar minha história sem criar grandes artifícios para segurar o público. Eu achei que não ia valer muito a pena.
R7 - E quando a novela vai esquentar? Ou ela está esquentando agora?
Moraes - Ela está esquentando. Porque aquele negócio de colocar junto com a Bela causou um retardo grande.
R7 - Ela está uns sete capítulos atrasada, é isso?
Moraes - Pois é, e isso em um total de 20, 22 [capítulos] dá uns 30%. O ritmo fica defasado em 30%. Isso faz diferença, porque o espectador pensa: cadê a história?
R7 - E cadê a história?
Moraes - Ainda não veio, né? Era para vir devagar, mas uma hora tem que vir. Já era para ter vindo. Acho que ela começa mesmo aí com o assassinato do senador. Agora mesmo que ela vai esquentar.
R7 - Quando o senador morre?
Moraes
 - Na quarta-feira.
R7 - Por falar em assassinato, o Flores é do mal?
Moraes - Aí é que está a questão. Se é que a novela inova em alguma coisa, ela vai por aí, porque o Flores vai se revelar. A novela sempre acaba no maniqueísmo, não há como escapar disso ao longo da novela. O grande exercício do autor é ver até onde ele consegue levar uma ambiguidade dos personagens. Mas chega um momento em que entra o maniqueísmo.
O Flores é do mal, mas toda a postura dele é a de um cara idealista. Vou explorar exatamente isso: ele é um vilão, mas um vilão que vai ter um discurso não sei se politicamente correto, mas politizado, utópico. O que ele tem é uma utopia alucinada na cabeça. Os motivos dele não são mesquinhos, ele não quer botar a mão num bom dinheiro, matar o herdeiro para ficar com a fortuna. Ele tem uma utopia revolucionária. É um alucinado, um psicopata, mas desse calibre, não do calibre pequeno.
Nicolau (Heitor Martinez) atira em Heleninha (Adriana Prado) e no próprio pai, o senador Érico (Henrique Martins), em cena que vai ao ar nesta quarta (Foto: Michel Ângelo/TV Record)
R7 - Na verdade, ele está manipulando o Nicolau com fins políticos, não é?
Moraes - Sim, com fins políticos. Há uma aliança alucinada. Um pouco do barato da novela vai ser esse jogo [de ambiguidade]. Mas vai ficar claro que ele é do mal. Eu acredito que isso aí, quando você entra com o vilão, você segura o espectador, o vilão acirra sentimentos. O resto da história também está amadurecendo.
R7 - Você me disse uma vez que Ribeirão do Tempo é uma novela sobre uma grande conspiração política...
Moraes - É essa a conspiração. O grande conspirador é o Flores. Foi isso que eu tentei esconder o máximo que pude, porque aquele que aparece no início como um herói, uma vítima da ditadura, que teve a mulher assassinada, ele é o vilão. A minha ironia, o meu jogo irônico é esse. Ele faz uma conspiração, ele vai armar esse negócio todo.
R7 - E onde isso vai chegar? Pode contar?
Moraes - (risos) Eu tenho algumas coisas na cabeça, mas há muitos caminhos abertos, para onde posso ir deixando acontecer, um pouco para sentir até onde vai, entendeu? Como é uma ficção política, posso ir para qualquer lugar. No final ele pode ser eleito presidente da República. É uma ficção política, então não tenho compromisso. Eu trabalhei um pouco uma linguagem não compromissada com o naturalismo. Não é bem naturalista a novela. Mas também não é totalmente não naturalista porque a novela exige algum naturalismo. Mas foge do naturalismo.
R7 - Você já deu dicas desse não naturlismo logo no primeiro capítulo, com o velho do rio, a menina que se veste de menino...
Moraes - É, tem umas figuras bem ficcionais. São dicas de que não estou tão compromissado com o naturalismo, que posso abrir, posso viajar um pouco.
Isso tudo eu acho que prejudica a questão da audiência. Prejudica não, exige uma audiência mais atenta, por isso a adesão é mais lenta, por causa da ironia. Mas eu trabalho com todos os elementos do folhetim para segurar o telespectador, mas não estão tão óbvios, pelo menos neste início, tem muitas nuances.
R7 - Esse jogo de "engana", o Flores parece vítima mas não é,  não é perigoso?
Moraes - Pois é, eu escondi muitas cartas, o que é perigoso. O telespectador não vê a carta e vai embora. Mas, enfim, era necessário para criar o clima.
R7 - Por que você fez opção? Por causa do horário mais tardio dos primeiros capítulos, devido ao final de Bela ou foi uma opção de narrativa?
Moraes - Foi uma opção de narrativa mesmo. A forma como a história foi aparecendo na minha cabeça foi essa. Se eu começasse com artifícios, iria me perder. Se adiantasse muito as ações, iria ficar mais difícil para o espectador perceber todo o jogo. Mas na verdade minhas novelas sempre começam devagar.
R7 - As novelas da Record levam mais tempo para se apresentar?
Moraes - Foi o que eu disse no início. Na Record, leva tempo. Vidas Opostas, por exemplo, foi um sucesso, mas padeceu uns dois meses, até que um dia bateu a Globo e aí explodiu. Essas Mulheres também teve um começo difícil. Outras novelas também, como Mutantes. Cada novela tem que chegar e conquistar o seu público.
R7 - Depois do assassinato do senador haverá uma série de crimes?
Moraes - Vai ter assassinatos, mas não imediatamente, porque vai acontecer muita coisa, o jogo da vida da cidade, o jogo político, as ironias, os amores.
R7 - Tem um serial killer na novela, não?
Moraes - Tem o grande vilão, que é o Flores, além do Nicolau.
R7 - Mas o Flores matou a própria mulher, Dirce?
Moraes - Não, a morte da Dirce é outro segredo. Mas não tem um serial killer, alguém matando. O motivo dos crimes é político. Essa é a trama.
R7 - Mas teremos outros crimes?
Moraes
 - Teremos. Crime é sempre bom, né?

Matéria do Daniel Castro

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